Mais de oito mil invadindo o estádio sem ingresso, nas ruas idosos caindo, crianças chorando, atropelamento, saque, roubo e pancadaria generalizada, tudo ao mesmo tempo e na tevê os apresentadores, repórteres e comentaristas não pediam punição imediata, não, nem se mostravam indignados contra um clube específico, nem contra um dirigente, muito menos contra um estádio. Concordavam todos, isto sim, que aquelas cenas lamentáveis, envolvendo milhares de pessoas com a camisa de um mesmo time, eram um problema grave, mas de toda a sociedade.
Passada a
onda do cheirinho, sem mais possibilidades de título para o queridinho no
campeonato, a mídia viu no fim do ano passado a chance de uma felicidade ainda
maior, com o possível não acesso do Vasco. Só que não. A mídia então entrou
2017 enfatizando sempre que podia, com números, tentando até ironia, a
diferença abissal que havia no momento entre o queridinho dela lá em cima, favorito
a todos os títulos, inclusive Libertadores, e o Vasco, que lutaria única e
exclusivamente, o ano todo, pra não ser rebaixado.
Não
importava muito que ali, no comecinho de 2017, o Vasco estivesse há nove jogos
sem perder para o rival, com seis vitórias e três empates, tendo eliminado o
queridinho da mídia em dois mata-matas num mesmo ano, no Carioca e na Copa do
Brasil. Não, nada disso importava e passou a importar menos ainda depois do fim
do jejum do Flamengo contra o rival mais odiado, logo antes do carnaval, na
semifinal da Taça Guanabara, numa vitória que, pro lado deles, na história do
confronto, pode ser considerada clássica: um a zero com gol de pênalti
duvidoso, maroto.
Mas não pra
mídia, claro, que além de ratificar, garantir a nitidez do pênalti maroto,
inovou na final da Taça, na primeira mostra dada pelo queridinho no ano de que
mesmo com o supertime de supercraques superfavoritos a tudo, sem a ajudinha
extra de sempre, não dava. Tendo ao fundo a imagem dos jogadores do Fluminense
comemorando a vitória nos pênaltis, a emissora detentora de todos os direitos
de transmissão, de todos os campeonatos à base, diz o FBI, de muita propina, não
exibiu o escudo do time com a inscrição esperada, de campeão, não. Em vez disso
exibiu na tela a lista de todos os campeões da Taça, por ordem de número de
títulos, que mostrava em primeiro, em cima, altaneiro, o time que acabava de
ser vice pela primeira vez no ano, no caso, o Flamengo.
A
eliminação diante do Vasco na semifinal da Taça Rio, em meio à Libertadores,
foi considerada quase benéfica para o queridinho, ainda mais com o 0 a 0, sem
derrota. E na final ainda mais desvalorizada pelo absurdo do regulamento, com a
vitória cruzmaltina sobre o Botafogo dentro da casa deles, nem antes nem depois
de Luis Fabiano, tendo desencantado fazendo o gol do título, erguer o troféu,
em nenhum momento a emissora investigada exibiu a lista de todos os campeões da
Taça, que mostraria em primeiro, no alto, o Vasco, e em segundo, o Flamengo.
E na final
do campeonato, depois de ter quase ignorado a simulação de um árbitro, assunto no mundo inteiro, pra gritar sobre um pênalti que nada valia, a mídia fez vista
grossa a outro daqueles fatos inacreditáveis que só acontecem com o Flamengo. Com
a vitória de 1 a 0 do Fluminense, o jogo se encaminhava pra decisão por
pênaltis quando, lá pelos quarenta do segundo tempo, Réver subiu fazendo falta
escandalosa no adversário, pra cabecear a bola que redundou no gol de Guerrero.
O juiz não só não marcou nada, como vibrou com o gol ilegal validado por ele,
cerrando e balançando o punho rapidinho no calor do momento, sem conseguir se
conter com a bola estufando a rede.
Enquanto
isso, sem dar a menor importância aos sentimentos indisfarçáveis do árbitro, a
mídia comemorava, repetia confiante, feliz, o que já havia feito seis, sete
vezes antes de eliminações quase todas vexaminosas de seu queridinho na
Libertadores. E de novo não deu outra. Gol do San Lorenzo no último minuto, gol
de Casalbé pro Furacão no solo sagrado do Chile, e o Flamengo estava eliminado
na fase de grupos do torneio pela terceira vez seguida, a quinta no total,
recordista absoluto, entre os brasileiros, neste quesito.
Nisso o
jornal com o mesmo nome da emissora suspeita de corrupção, sonegação e otras
cositas más já tinha publicado o guia do Campeonato Brasileiro, iniciado havia
menos de duas semanas. E além das previsões alvissareiras, de favoritismo
absoluto para o seu queridinho, o guia do jornal falava também até em título e
disputa lá em cima, mirando a Libertadores, pelo menos nos subtítulos das
páginas destinadas ao Botafogo e ao Fluminense. Quanto ao Vasco, só se falava
de briga contra nova queda, de dificuldades à vista, muitas, de rebaixamento.
Por si só
histórica, tal edição do guia do jornal movido a passaralhos tem ainda uma
sutil alteração em relação às de campeonatos anteriores, pero muy significativa.
Como se sabe, pela milionésima vez a Justiça decidiu que um time que correu da
decisão não pode ser declarado campeão só porque a imprensa diz isso. Depois de
pleitear o título só pra ele esgotando todos os recursos, o queridinho da mídia
perdeu o último recurso pra pleitear a divisão do título. A não ser que o clube
peça agora à Justiça assim, na boa, pelo menos um terço do campeonato, só pra
dizer por aí que é hexa, sabe cumé..., se isso não acontecer, acabou, finito.
Terminou a
contenda na Justiça e sumiu, assim, o asterisco na lista de campeões nacionais
publicada anualmente no guia. Não há mais a explicação em letra miúda, lá
embaixo, sobre o motivo de num ano haver dois campeões assinalados, mas a lista
continua com os dois campeões de sempre, o queridinho ainda hexa por birra,
desejo irrefreável ou demagogia, e danem-se os fatos, a fuga do quadrangular
final, a Justiça.
O asterisco
agora aparece em outra lista, a dos campeões sulamericanos, ou da Libertadores,
como prefere colocar a mídia em geral, inclusive o citado jornal, que se apega
à nomenclatura diversa dos torneios (como se o Brasileirão já não tivesse sido
João Havelange, Taça de Prata, Ouro, Copa Brasil ou Robertão) e à ordem alfabética
pra manter o Flamengo acima do Vasco, cada qual com um título. E embaixo, ele,
o asterisco, a avisar em letra pequenininha que o Vasco foi campeão dos
campeões sulamericanos em 1948.
Em 1996, a
Conmebol reconheceu oficialmente o campeonato sulamericano de 48 do Vasco e
como mostra cabal de que o nível do título não ficava um milímetro abaixo da
principal competição do continente (historicamente, como primeiro campeonato
continental da história, 48 vale mais que qualquer Champions League da vida),
incluiu o clube entre os participantes da Supercopa dos Campeões da
Libertadores, um ano antes de o Vasco conquistar também a Taça e com ela o bicampeonato continental, sem
ajuda do juiz, ganhando de argentino e no ano do Centenário.
O curioso é
que, ao contrário do asterisco da lista dos campeões brasileiros, referente a 87,
que sempre transformou o três do Flamengo em quatro, depois o quatro em cinco e
por fim o cinco em seis, o asterisco de 48 não transforma o 1 do Vasco na lista
de campeões continentais em 2. Imagina, botar o queridinho embaixo, o
desavisado que fizesse isso certamente estaria sujeito a broncas do editor ou
até quem sabe, já que por lá se manda tanta gente embora, a toda hora, a uma
demissão, quiçá por justa causa.
Mas
falávamos do guia, sobre o Vasco lutando só pra não ser rebaixado, e como mostra
o texto anterior publicado aqui neste blog, as previsões sombrias do jornal
começaram a se tornar furadas cedo, na primeira metade do primeiro turno do
campeonato, com o time com aproveitamento de campeão em casa, arrecadando,
enchendo São Januário homenageado na camisa, pelos seus noventa anos. Aí veio o
jogo contra o queridinho da mídia e o atentado ao nosso caldeirão, com a mídia
indignada, fazendo cara de raiva não pra quem incitou a violência nas redes
sociais, com objetivos eleitoreiros, muito menos para o policial que postou nas
mesmas redes a foto dele com a camisa do Flamengo, ao lado do vídeo dele se
divertindo a valer no gramado de São Januário, deixando o pau comer solto e
dando tiros a esmo no meio da arquibancada lotada.
A revolta
dos apresentadores, editores, repórteres e comentaristas, as fisionomias
sérias, pedindo punição severa, eram todas destinadas ao Vasco, ou na figura do
presidente do clube, ou na de seu estádio, cuja segurança era questionada a
cada parágrafo do noticiário. Mas mesmo com tudo isso, mesmo sem torcida, sem
estádio, sem pênalti marcado o Vasco com Martin Silva no gol e Anderson
Martins na zaga voltou a brigar pela vaga na Libertadores, estilhaçando de
vez, já na primeira metade do returno, as bolas de cristal que só viam
rebaixamento.
Os mesmos
especialistas que previam antes pro Vasco a luta ferrenha contra a queda
passaram a dizer que só com G9 o time chegaria a Libertadores, e alguns deles
criticavam abertamente o excesso de vagas pra principal competição do
continente, como se a Conmebol estivesse deixando entrar qualquer um. Um deles,
ao vivo, citou por duas ou três vezes, no mínimo, na reta final e depois de
terminado o campeonato, o aproveitamento de menos de 50% do Vasco como exemplo
da tal banalização do torneio.
O Vasco tem
menos de 50% de aproveitamento e está na Pré-Libertadores, dizia o
especialista, e nas três ou quatro vezes em que disse isso o jornalista não lembrou
que com aproveitamento idêntico, e isso somente graças a mais um pênalti
estranho, no último minuto, aliás parecido com aquele cometido por Everton
Ribeiro em São Januário, obviamente não marcado, com o mesmo número de pontos e
de vitórias que o Vasco, o Flamengo não está na Pré-Libertadores, mas na fase
de grupos.
Vice-campeão
da Copa do Brasil profissional e da Copa do Brasil sub 20 no mesmo ano, o
queridinho da mídia favorito a todos os títulos terminava o campeonato com a
mesma pontuação do futuro virtual rebaixado, e os jogadores rubro-negros se
abraçavam, comemorando efusivamente o pênalti caído do céu, estranho, muito
estranho, que lhes garantia o sexto lugar e a calma necessária, diziam, pra vencer,
enfim, pela primeira vez na história, uma final continental contra um grande clube
estrangeiro. Só que não.
O Flamengo
perdeu para o Independiente a decisão da Copa Sulamericana e se tornou o maior
vice de copas secundárias da América, vice da Supercopa dos Campeões da
Libertadores em 93 e 95, vice da Mercosul em 2001 e, agora, vice da
Sulamericana, vice de todos os tipos de torneios secundários já inventados no
continente, tetra vice, assim como na Copa do Brasil. E na noite da final, no
entorno das modernas e semiabandonadas instalações do Novo Maracanã, o que se
viu foi a barbárie, algo muito, mas muito além do caos orquestrado no velho e
querido São Januário. Mais de oito mil invadindo o estádio sem ingresso, nas
ruas idosos caindo, crianças chorando, atropelamento, saque, roubo e pancadaria
generalizada, tudo ao mesmo tempo e na tevê os apresentadores, repórteres e
comentaristas não pediam punição imediata, não, nem se mostravam indignados
contra um clube específico, nem contra um dirigente, muito menos contra um
estádio. Concordavam todos, isto sim, que aquelas cenas lamentáveis, envolvendo
milhares de pessoas com a camisa de um mesmo time, eram um problema grave, mas de
toda a sociedade.
Quanto ao Vasco,
depois de prever rebaixamento e ver o time conquistar uma impensável, pra ela,
vaga na Libertadores, a mídia não exaltou o feito conquistado com São Januário em sua melhor forma após a punição, abarrotado, feito extraordinário segundo os
próprios prognósticos dela. Em vez disso tem preferido concentrar o noticiário
sobre o clube na política, a mostrar o quanto será difícil, muito difícil a
trajetória do time em torneio tão complicado, em meio ao imbróglio eleitoral que
jamais poderia prosperar sem a ajuda providencial dela, a mídia.
E se existe
mesmo alguém que sinceramente torça para o Vasco e não está feliz com o ano
terminado, com essa campanha desde já histórica, por todos os obstáculos
criados, por todas as previsões furadas, pelos pênaltis não marcados; se vascaínos
de fato preferem seguir a pauta da mídia e acham que tá tudo errado com o time de
volta à Libertadores com Martin Silva no gol, Breno e Anderson Martins na zaga,
Paulinho prestes a estourar, já tendo decidido muito mais este ano do que a
nova joia superfaturada da Gávea, e ainda Evander, Mateus Vital, Guilherme etc,
com Nenê de maestro e cia; se tantos e tantos torcedores comentam nas redes,
alguns até que não são fakes, preocupados mesmo em tirar o presidente pra botar
no lugar o grupo político que deixou o clube insolvente, rebaixado duas vezes,
fazendo dessa forma, direitinho, a vontade da mídia anti-vascaína; se há
torcedores do Club de Regatas Vasco da Gama que querem o bem do time e ainda assim
não perceberam o momento, a iminência de disputar a Libertadores com um bom
técnico, uma boa equipe, e iniciando a caminhada, setenta anos depois da
primeira conquista, no mesmo Chile; se esse tipo de torcedor prefere reclamar,
acreditando na tal da mídia, então, com todo o respeito, só se pode chegar à
conclusão de que este sincero vascaíno é um otário, e de otário pra bovino, só
falta o mugido.