Além de gritar indignado que Luis Fabiano não tocou no juiz, o Mirror afirma que “o futebol afunda a um novo nível abaixo, com o juiz brasileiro simulando contato antes de dar o cartão vermelho”. Mas isso, claro, só no resto do mundo, porque por aqui o importante, mesmo, foi o pênalti que não valia nada.
“La surrealista expulsión de Luís Fabiano...
tras un piscinazo del árbitro!” Foi esse, com exclamação e tudo, o título do
jornal espanhol Marca para falar sobre o jogo entre Vasco e Flamengo em
Brasília pela, digamos, fase de grupos da Taça Rio de 2017. “L’arbitre simule
un coup de tête et expulse Luis Fabiano”, afirmou o francês La Sueur, e na
Itália o La Stampa foi na mesma linha, relatando “una simulazione dell’arbitro
dopo una faccia a faccia com Luis Fabiano”.
Em todos os cantos
do planeta onde se falou sobre o jogo, em todas as línguas o destaque foi para
a ridícula simulação do árbitro Luis Antonio Silva dos Santos. “Un árbitro
simula una agresión de Luis Fabiano y lo expulsa”, diz o diário catalão El
Periódico, que no subtítulo fala, como o Marca, em “surrealista escena”, e no
Brasil, na cidade dos dois times envolvidos, no programa de debates ao vivo na
tevê logo após a rodada o ex-craque de Fluminense, Corinthians, Flamengo,
Cruzeiro e Grêmio abria os trabalhos, na função de apresentador, dizendo que a
expulsão do Luis Fabiano era indiscutível.
Bem humorado, o
inglês Daily Star exorta o leitor a esquecer os jogadores. “Forget players – referee
DIVES to get ex-Brazil international Luis Fabiano sent off”. Dives é mergulha em inglês e estava assim
mesmo no título do jornal, todo em caixa alta, enquanto na tevê brasileira os
outros dois debatedores do programa do ex-craque concordaram de imediato com
ele, afirmando que a expulsão de Luis Fabiano, quando o Vasco obtinha uma segura
vitória por 1 a 0, jogando melhor, foi justíssima. Um deles chegou a brincar
dizendo que no São Paulo o Luis Fabiano precisava de uma peitada no juiz pra
ser expulso, e no Vasco só precisava de uma barrigada, e todos ali riram,
achando engraçado o comentário e seguindo adiante, sem nem pensar em iniciar,
por exemplo, um debate sobre os motivos de tal diferença, entre a peitada no
São Paulo e só a barrigada no Vasco.
“Incredibile in
Brasile: Luis Fabiano espulso, a simulare però è... l’arbitro”, afirma o
italiano Goal, e na mesa de debates da tevê o ex-craque e os dois jornalistas
até ironizaram, sim, a cena aberta do juiz conhecido como o Índio. A imprensa
toda, aliás, também brincou com o fato, transformou o relato inacreditável da
súmula em letra de Wando, Agepê ou cantor parecido, mas questionar o cartão
vermelho, ninguém questionou. Nos jornais cariocas, nas edições do dia seguinte
ao jogo não havia nem nas capas nem nas páginas internas qualquer das imagens
publicadas mundo afora, da encenação de sua senhoria, o árbitro, que, aliás,
não foi a primeira, pois a primeira delas foi também contra o Vasco, por pura coincidência, claro.
A imprensa
especializada “da casa” poderia resgatar esse episódio, o encontrão de Luis
Antonio Silva dos Santos com o meia Moraes num Vasco e América de dez anos
atrás, mas não o fez. “Árbitro finge una falta y expulsa a su supuesto
agressor”, conta a revista argentina El Grafico, e ao contrário de seus colegas
do resto do mundo, os jornalistas daqui foram unânimes ao escolher outro
destaque do jogo, algo pra eles mais raro, mais valioso “jornalisticamente” do
que a primeira simulação de um juiz na história do esporte, repercutida em todo
o planeta.
O portal britânico
NewsNow ressaltou o caráter teatral da atuação do juiz, ao afirmar no título que
“theatrical referee fakes being headbutted, sends striker to the showers”. O
juiz fingiu ser atingido e mandou o atacante para o chuveiro, segundo o
NewsNow, mas os digníssimos funcionários da flapress tinham mais o que fazer do
que dar importância ao que deixou estupefatos os jornalistas estrangeiros. Tinham,
enfim, um erro crasso de arbitragem a favor do Vasco num jogo contra o
Flamengo, um pênalti inexistente marcado no último minuto da partida, algo, na
visão deles e dos patrões deles, muito, mas muito mais importante do que a
cambaleada programada do árbitro, ainda que o jogo em questão, a propósito, não
valesse absolutamente nada.
Não foi uma
semifinal de Taça Rio como a de 2010, quando Willians salvou na raça, com a mão
do braço levantado e dentro da área, um ataque vascaíno sem que o árbitro da
vez marcasse nada. E segue o jogo vencido pelo time da Gávea com um gol... de
pênalti, e como sempre no Léo Moura, sujeito que já mergulhava na área antes e
continuou a mergulhar depois da passagem de Wagner Diniz, bom lateral, pelo
clube de São Januário.
Curiosamente, só o
vascaíno teve os pênaltis sofridos, todos contra times pequenos, nenhum em jogo
decisivo, nenhum decidindo nem o jogo, no máximo um ou dois duvidosos, mas só o
Wagner Diniz teve seus pênaltis contados pela mídia que outro dia mesmo
entrevistou o próprio, relembrando tudo em tom bem humorado, insinuando que os
pênaltis foram todos cavados. Pra Léo Moura, que conquistou, contando assim de
memória, de relance, pelo menos três pênaltis decisivos só contra o Vasco,
mergulhando com a desenvoltura de um aqualouco, pra Léo Moura a nossa mídia
especializada jamais dispensou qualquer gracinha ou suspeita a esse respeito,
nada.
“Árbitro brasileño
simuló golpe de Luis Fabiano e lo expulsó”, relata o portal do grupo de
comunicação chileno Cooperativa, e no programa do ex-craque esse assunto já
estava esquecido e o tom era de revolta, a repercussão toda da partida que
terminou empatada em 2 a 2 era focada no pênalti que decretou o empate do Vasco
no jogo que, se valia alguma coisa, valia só para o Flamengo, no caso a
invencibilidade, que redundaria no título invicto dali a algumas semanas, pra
vibração do árbitro da final, que comemorou cerrando o punho, balançando, na
raça, o gol ilegal de Guerrero, originado de falta escandalosa de Réver na cara
do juizão.
O empate ou a
vitória, portanto, valiam exatamente a mesma coisa para o Flamengo que perdia
sua invencibilidade em Brasília, via escapar a chance de igualar o Vasco em
títulos invictos, e contra o Vasco, perdendo por 1 a 0 e sendo dominado, sem
ameaçar em quase nada o gol de Martin Silva apesar da superioridade latente em
relação ao adversário, sem termos de comparação de acordo com a mídia
especializada. Difícil, muito difícil a situação do super esquadrão futuramente
eliminado, pela terceira vez seguida, na fase de grupos da Libertadores, até
que o juiz conhecido como Índio entrou em cena.
Com um a mais, o
Flamengo conseguiu virar o jogo, e porque tomou o empate com o pênalti
inexistente, mesmo sem ter sido eliminado, por exemplo, numa semifinal de Taça
Rio, mesmo não alterando em nada sua situação no campeonato com vitória ou
empate, mesmo assim a grita foi geral, da mídia, da torcida, do time e do
dirigente profissional que tinha sido do Vasco e agora é do Flamengo.
“Luis Fabiano fue
expulsado por árbitro que simuló una agresión”, relata o jornal peruano La República,
e na entrevista coletiva o cartola moderno, remunerado, mostrava toda a sua
revolta e disse, na cara dura, que o time que paga seu salário no momento era
“sempre” prejudicado contra o Vasco, ele que em 2010 esbravejava no vestiário
vascaíno, defendendo seu patrão na época, e depois enviou ofício à federação
reclamando oficialmente do juiz que não dera o pênalti voleiboliano de
Willians, e marcara convicto o enésimo mergulho de Léo Moura. Recebeu do então
responsável pela arbitragem uma resposta em tom de torcedor sacaneando
“chororô”, e no ano seguinte, ainda no Vasco, viu o time perder um campeonato
brasileiro, fora o resto todo já relatado aqui num texto mais abaixo, graças a
dois pênaltis não marcados contra o rubro-negro da Gávea, um no turno e outro
no returno, os dois com o mesmo juiz.
Péricles Bassols era
o nome dele e no primeiro turno, nos últimos minutos, com Ricardo Gomes já
tendo saído de ambulância entre a vida e a morte, Léo Moura, sempre ele, deu o
carrinho dentro da área e com a perna esquerda deu a rasteira atingindo, em
cheio, o tornozelo de Bernardo. Bassols mandou o jogo seguir, nada, e teve
jornalista que, mesmo não podendo deixar de reconhecer que tinha sido pênalti,
claro, mesmo assim ressaltou os braços levantados, além da conta, de Bernardo.
No segundo turno foi
Willians quem puxou a camisa de Diego Souza na área, puxão de perseguição de
comédia, de número de palhaço de circo, e Bassols de novo nada marcou. Com os
pênaltis, os dois empates poderiam ter virado vitórias, mais quatro pontos,
passando com folga a diferença de dois pontos do Vasco para o campeão ao fim do
certame. Detalhe que, como campeão da Copa da Brasil daquele ano, o Vasco teria
conseguido o que os ingleses chamam de double, feito aqui só conquistado pelo
Cruzeiro, Copa e Campeonato no mesmo ano, mas não, e o juiz Péricles Bassols, terminada a temporada, foi presenteado pela CBF com a inclusão de seu nome no quadro da
Fifa, sem uma vírgula, nem um frame de vídeo de questionamento, por menor que
fosse, da mídia.
“Former Brazil
international Luis Fabiano sent off as referee ‘dives’ after booking Vasco Da
Gama striker”, conta o inglês The Sun, usando o mesmo verbo do Daily Star,
mergulhar, ainda que o árbitro não tivesse caído, talvez pelo espalhafato da
cena, pela dramatização que os ingleses, particularmente, não costumam tolerar.
E o atacante Alecssandro jogava no Vasco em 2011, perdeu o Brasileiro graças,
fora o resto, à arbitragem contra o Flamengo e em 2015 estava do outro lado, e
saiu esbravejando contra a arbitragem ao ser eliminado pelo Vasco numa
semifinal na qual o time dele havia sido o maior beneficiado pelos juízes.
Com honrosas exceções, a imprensa embarcou, insuflando a revolta rubro-negra e usando pra
isso dois argumentos. Um deles era o pênalti que decidiu o confronto a favor do
Vasco, de Wallace em Serginho, “mais pênalti” que outro bem parecido, marcado
pelo mesmo juiz a favor do Flamengo, na final de 2009 contra o Botafogo, e que
na época passou ao largo de qualquer questionamento de jornalistas ou
comentaristas de arbitragem. O outro argumento era uma escadinha.
No ano anterior
houve o gol de falta de Douglas, trinta centímetros pra dentro bem na fuça do juiz
de linha e segue o jogo pra dali a vinte, trinta minutos, Elano cobrar falta e
Martin Silva defender com o próprio corpo tapando a visão do bandeirinha, das
câmeras, de todo mundo de modo a impedir qualquer afirmação com certeza
absoluta sobre se a bola entrou ou não. Nada que impedisse juiz e bandeira de
correrem pro meio convictos, sem qualquer constrangimento vinte, trinta minutos
depois de não validarem o gol de falta do Vasco. Nada que impedisse a mídia de
se valer de seus tira-teimas editados, a exemplo das quartas-de-final da
Libertadores de 2012, em São Januário, pra cravar que tinha sido gol, sim, e
ponto.
O Flamengo venceria
o jogo por 2 a 1 e a vitória ajudou o time a levar a vantagem do empate pra
final contra o Vasco. No primeiro jogo, o Vasco vencia por a 1 a 0 até que teve
um jogador, Éverton Costa, expulso. Aí, então, o Flamengo conseguiu empatar. No
segundo jogo o Vasco vencia por 1 a 0 até o último minuto, quando o Flamengo
empatou com um gol em impedimento.
“El árbitro finge
una agresión... Y expulsa al jugador!”, tenta acreditar o La Vanguardia, outro
jornal catalão, e no ano seguinte ao garfo de 2014 mudou o presidente do Vasco,
e o que entrou já via o time ser prejudicado seguidamente por arbitragens na
gestão anterior e continuou a ver, da mesma forma que o presidente que saía e
todos os outros antes dele. No primeiro jogo da semifinal de 2015, um volante
rubro-negro, que tinha o apelido relacionado ao seu colega alemão Schweinsteiger,
atingiu o atacante Gilberto com um chute na cara, uma voadora de Bruce Lee. O
juiz estava perto do lance, viu tudo, marcou a falta e deu ao flamenguista um
cartão amarelo.
Uma semana passa e,
no domingo seguinte, Gilberto converte o pênalti reclamado pela flapress, mais
pênalti que o de 2009, a favor do Flamengo, este não questionado, jamais.
Gilberto jogou o segundo jogo com a marca, ainda nítida, da chuteira do volante
rubro-negro na altura do maxilar, e na hora do gol subiu na escada de
emergência da arquibancada, pra comemorar nos braços da torcida. Havia a
recomendação, no regulamento da competição, de que subir na escadinha dava
cartão amarelo, e o técnico flamenguista, profexô malandro, reclamou muito
disso no fim do jogo, e o repórter da tevê informava sério, cara fechada em
meio à comemoração dos vascaínos no gramado, dizia que tinha isso mesmo no
regulamento, o amarelo pra escadinha, dava a informação com leve tom de
revolta, como se o certo, no caso, fosse mesmo expulsar, por comemorar o gol
com a torcida, o atacante que tinha ainda na cara, ostensiva, a marca da
chuteira do adversário que não, não tinha sido expulso pelo golpe de kung fu.
E se em 2010 o
representante da federação respondeu em estilo de chacota ao cartola remunerado,
então vascaíno, desta feita ele agiu prontamente, suspendendo de imediato o
juiz do jogo, mas deixando bem claro que era só por causa do pênalti marcado
equivocadamente. Com relação à expulsão que, aliás, tiraria Luis Fabiano da
semifinal contra o... Flamengo, quanto à expulsão estava tudo certo.
E o jornal inglês
Mirror não escondeu, no título sobre o jogo, a revolta com a simulação do
árbitro. “He didn’t touch you! Football sinks to a new low as
Brazilian referee simulates contact before giving red car”. Além de gritar indignado que Luis Fabiano não
tocou no juiz, o Mirror afirma que “o futebol afunda a um novo nível abaixo,
com o juiz brasileiro simulando contato antes de dar o cartão vermelho”. Mas
isso, claro, só no resto do mundo, porque por aqui o importante, mesmo, foi o
pênalti que não valia nada.