sábado, 30 de setembro de 2017

Pontos de vista, puntos de vista, points of view, points de vue, puntos di vista...


Além de gritar indignado que Luis Fabiano não tocou no juiz, o Mirror afirma que “o futebol afunda a um novo nível abaixo, com o juiz brasileiro simulando contato antes de dar o cartão vermelho”. Mas isso, claro, só no resto do mundo, porque por aqui o importante, mesmo, foi o pênalti que não valia nada.

“La surrealista expulsión de Luís Fabiano... tras un piscinazo del árbitro!” Foi esse, com exclamação e tudo, o título do jornal espanhol Marca para falar sobre o jogo entre Vasco e Flamengo em Brasília pela, digamos, fase de grupos da Taça Rio de 2017. “L’arbitre simule un coup de tête et expulse Luis Fabiano”, afirmou o francês La Sueur, e na Itália o La Stampa foi na mesma linha, relatando “una simulazione dell’arbitro dopo una faccia a faccia com Luis Fabiano”.

Em todos os cantos do planeta onde se falou sobre o jogo, em todas as línguas o destaque foi para a ridícula simulação do árbitro Luis Antonio Silva dos Santos. “Un árbitro simula una agresión de Luis Fabiano y lo expulsa”, diz o diário catalão El Periódico, que no subtítulo fala, como o Marca, em “surrealista escena”, e no Brasil, na cidade dos dois times envolvidos, no programa de debates ao vivo na tevê logo após a rodada o ex-craque de Fluminense, Corinthians, Flamengo, Cruzeiro e Grêmio abria os trabalhos, na função de apresentador, dizendo que a expulsão do Luis Fabiano era indiscutível.

Bem humorado, o inglês Daily Star exorta o leitor a esquecer os jogadores. “Forget players – referee DIVES to get ex-Brazil international Luis Fabiano sent off”. Dives é mergulha em inglês e estava assim mesmo no título do jornal, todo em caixa alta, enquanto na tevê brasileira os outros dois debatedores do programa do ex-craque concordaram de imediato com ele, afirmando que a expulsão de Luis Fabiano, quando o Vasco obtinha uma segura vitória por 1 a 0, jogando melhor, foi justíssima. Um deles chegou a brincar dizendo que no São Paulo o Luis Fabiano precisava de uma peitada no juiz pra ser expulso, e no Vasco só precisava de uma barrigada, e todos ali riram, achando engraçado o comentário e seguindo adiante, sem nem pensar em iniciar, por exemplo, um debate sobre os motivos de tal diferença, entre a peitada no São Paulo e só a barrigada no Vasco.

“Incredibile in Brasile: Luis Fabiano espulso, a simulare però è... l’arbitro”, afirma o italiano Goal, e na mesa de debates da tevê o ex-craque e os dois jornalistas até ironizaram, sim, a cena aberta do juiz conhecido como o Índio. A imprensa toda, aliás, também brincou com o fato, transformou o relato inacreditável da súmula em letra de Wando, Agepê ou cantor parecido, mas questionar o cartão vermelho, ninguém questionou. Nos jornais cariocas, nas edições do dia seguinte ao jogo não havia nem nas capas nem nas páginas internas qualquer das imagens publicadas mundo afora, da encenação de sua senhoria, o árbitro, que, aliás, não foi a primeira, pois a primeira delas foi também contra o Vasco, por pura coincidência, claro.

A imprensa especializada “da casa” poderia resgatar esse episódio, o encontrão de Luis Antonio Silva dos Santos com o meia Moraes num Vasco e América de dez anos atrás, mas não o fez. “Árbitro finge una falta y expulsa a su supuesto agressor”, conta a revista argentina El Grafico, e ao contrário de seus colegas do resto do mundo, os jornalistas daqui foram unânimes ao escolher outro destaque do jogo, algo pra eles mais raro, mais valioso “jornalisticamente” do que a primeira simulação de um juiz na história do esporte, repercutida em todo o planeta.

O portal britânico NewsNow ressaltou o caráter teatral da atuação do juiz, ao afirmar no título que “theatrical referee fakes being headbutted, sends striker to the showers”. O juiz fingiu ser atingido e mandou o atacante para o chuveiro, segundo o NewsNow, mas os digníssimos funcionários da flapress tinham mais o que fazer do que dar importância ao que deixou estupefatos os jornalistas estrangeiros. Tinham, enfim, um erro crasso de arbitragem a favor do Vasco num jogo contra o Flamengo, um pênalti inexistente marcado no último minuto da partida, algo, na visão deles e dos patrões deles, muito, mas muito mais importante do que a cambaleada programada do árbitro, ainda que o jogo em questão, a propósito, não valesse absolutamente nada.

Não foi uma semifinal de Taça Rio como a de 2010, quando Willians salvou na raça, com a mão do braço levantado e dentro da área, um ataque vascaíno sem que o árbitro da vez marcasse nada. E segue o jogo vencido pelo time da Gávea com um gol... de pênalti, e como sempre no Léo Moura, sujeito que já mergulhava na área antes e continuou a mergulhar depois da passagem de Wagner Diniz, bom lateral, pelo clube de São Januário.

Curiosamente, só o vascaíno teve os pênaltis sofridos, todos contra times pequenos, nenhum em jogo decisivo, nenhum decidindo nem o jogo, no máximo um ou dois duvidosos, mas só o Wagner Diniz teve seus pênaltis contados pela mídia que outro dia mesmo entrevistou o próprio, relembrando tudo em tom bem humorado, insinuando que os pênaltis foram todos cavados. Pra Léo Moura, que conquistou, contando assim de memória, de relance, pelo menos três pênaltis decisivos só contra o Vasco, mergulhando com a desenvoltura de um aqualouco, pra Léo Moura a nossa mídia especializada jamais dispensou qualquer gracinha ou suspeita a esse respeito, nada.

“Árbitro brasileño simuló golpe de Luis Fabiano e lo expulsó”, relata o portal do grupo de comunicação chileno Cooperativa, e no programa do ex-craque esse assunto já estava esquecido e o tom era de revolta, a repercussão toda da partida que terminou empatada em 2 a 2 era focada no pênalti que decretou o empate do Vasco no jogo que, se valia alguma coisa, valia só para o Flamengo, no caso a invencibilidade, que redundaria no título invicto dali a algumas semanas, pra vibração do árbitro da final, que comemorou cerrando o punho, balançando, na raça, o gol ilegal de Guerrero, originado de falta escandalosa de Réver na cara do juizão.

O empate ou a vitória, portanto, valiam exatamente a mesma coisa para o Flamengo que perdia sua invencibilidade em Brasília, via escapar a chance de igualar o Vasco em títulos invictos, e contra o Vasco, perdendo por 1 a 0 e sendo dominado, sem ameaçar em quase nada o gol de Martin Silva apesar da superioridade latente em relação ao adversário, sem termos de comparação de acordo com a mídia especializada. Difícil, muito difícil a situação do super esquadrão futuramente eliminado, pela terceira vez seguida, na fase de grupos da Libertadores, até que o juiz conhecido como Índio entrou em cena.

Com um a mais, o Flamengo conseguiu virar o jogo, e porque tomou o empate com o pênalti inexistente, mesmo sem ter sido eliminado, por exemplo, numa semifinal de Taça Rio, mesmo não alterando em nada sua situação no campeonato com vitória ou empate, mesmo assim a grita foi geral, da mídia, da torcida, do time e do dirigente profissional que tinha sido do Vasco e agora é do Flamengo.

“Luis Fabiano fue expulsado por árbitro que simuló una agresión”, relata o jornal peruano La República, e na entrevista coletiva o cartola moderno, remunerado, mostrava toda a sua revolta e disse, na cara dura, que o time que paga seu salário no momento era “sempre” prejudicado contra o Vasco, ele que em 2010 esbravejava no vestiário vascaíno, defendendo seu patrão na época, e depois enviou ofício à federação reclamando oficialmente do juiz que não dera o pênalti voleiboliano de Willians, e marcara convicto o enésimo mergulho de Léo Moura. Recebeu do então responsável pela arbitragem uma resposta em tom de torcedor sacaneando “chororô”, e no ano seguinte, ainda no Vasco, viu o time perder um campeonato brasileiro, fora o resto todo já relatado aqui num texto mais abaixo, graças a dois pênaltis não marcados contra o rubro-negro da Gávea, um no turno e outro no returno, os dois com o mesmo juiz.

Péricles Bassols era o nome dele e no primeiro turno, nos últimos minutos, com Ricardo Gomes já tendo saído de ambulância entre a vida e a morte, Léo Moura, sempre ele, deu o carrinho dentro da área e com a perna esquerda deu a rasteira atingindo, em cheio, o tornozelo de Bernardo. Bassols mandou o jogo seguir, nada, e teve jornalista que, mesmo não podendo deixar de reconhecer que tinha sido pênalti, claro, mesmo assim ressaltou os braços levantados, além da conta, de Bernardo.

No segundo turno foi Willians quem puxou a camisa de Diego Souza na área, puxão de perseguição de comédia, de número de palhaço de circo, e Bassols de novo nada marcou. Com os pênaltis, os dois empates poderiam ter virado vitórias, mais quatro pontos, passando com folga a diferença de dois pontos do Vasco para o campeão ao fim do certame. Detalhe que, como campeão da Copa da Brasil daquele ano, o Vasco teria conseguido o que os ingleses chamam de double, feito aqui só conquistado pelo Cruzeiro, Copa e Campeonato no mesmo ano, mas não, e o juiz Péricles Bassols, terminada a temporada, foi presenteado pela CBF com a inclusão de seu nome no quadro da Fifa, sem uma vírgula, nem um frame de vídeo de questionamento, por menor que fosse, da mídia.

“Former Brazil international Luis Fabiano sent off as referee ‘dives’ after booking Vasco Da Gama striker”, conta o inglês The Sun, usando o mesmo verbo do Daily Star, mergulhar, ainda que o árbitro não tivesse caído, talvez pelo espalhafato da cena, pela dramatização que os ingleses, particularmente, não costumam tolerar. E o atacante Alecssandro jogava no Vasco em 2011, perdeu o Brasileiro graças, fora o resto, à arbitragem contra o Flamengo e em 2015 estava do outro lado, e saiu esbravejando contra a arbitragem ao ser eliminado pelo Vasco numa semifinal na qual o time dele havia sido o maior beneficiado pelos juízes.

Com honrosas exceções, a imprensa embarcou, insuflando a revolta rubro-negra e usando pra isso dois argumentos. Um deles era o pênalti que decidiu o confronto a favor do Vasco, de Wallace em Serginho, “mais pênalti” que outro bem parecido, marcado pelo mesmo juiz a favor do Flamengo, na final de 2009 contra o Botafogo, e que na época passou ao largo de qualquer questionamento de jornalistas ou comentaristas de arbitragem. O outro argumento era uma escadinha.

No ano anterior houve o gol de falta de Douglas, trinta centímetros pra dentro bem na fuça do juiz de linha e segue o jogo pra dali a vinte, trinta minutos, Elano cobrar falta e Martin Silva defender com o próprio corpo tapando a visão do bandeirinha, das câmeras, de todo mundo de modo a impedir qualquer afirmação com certeza absoluta sobre se a bola entrou ou não. Nada que impedisse juiz e bandeira de correrem pro meio convictos, sem qualquer constrangimento vinte, trinta minutos depois de não validarem o gol de falta do Vasco. Nada que impedisse a mídia de se valer de seus tira-teimas editados, a exemplo das quartas-de-final da Libertadores de 2012, em São Januário, pra cravar que tinha sido gol, sim, e ponto.

O Flamengo venceria o jogo por 2 a 1 e a vitória ajudou o time a levar a vantagem do empate pra final contra o Vasco. No primeiro jogo, o Vasco vencia por a 1 a 0 até que teve um jogador, Éverton Costa, expulso. Aí, então, o Flamengo conseguiu empatar. No segundo jogo o Vasco vencia por 1 a 0 até o último minuto, quando o Flamengo empatou com um gol em impedimento. 

“El árbitro finge una agresión... Y expulsa al jugador!”, tenta acreditar o La Vanguardia, outro jornal catalão, e no ano seguinte ao garfo de 2014 mudou o presidente do Vasco, e o que entrou já via o time ser prejudicado seguidamente por arbitragens na gestão anterior e continuou a ver, da mesma forma que o presidente que saía e todos os outros antes dele. No primeiro jogo da semifinal de 2015, um volante rubro-negro, que tinha o apelido relacionado ao seu colega alemão Schweinsteiger, atingiu o atacante Gilberto com um chute na cara, uma voadora de Bruce Lee. O juiz estava perto do lance, viu tudo, marcou a falta e deu ao flamenguista um cartão amarelo.

Uma semana passa e, no domingo seguinte, Gilberto converte o pênalti reclamado pela flapress, mais pênalti que o de 2009, a favor do Flamengo, este não questionado, jamais. Gilberto jogou o segundo jogo com a marca, ainda nítida, da chuteira do volante rubro-negro na altura do maxilar, e na hora do gol subiu na escada de emergência da arquibancada, pra comemorar nos braços da torcida. Havia a recomendação, no regulamento da competição, de que subir na escadinha dava cartão amarelo, e o técnico flamenguista, profexô malandro, reclamou muito disso no fim do jogo, e o repórter da tevê informava sério, cara fechada em meio à comemoração dos vascaínos no gramado, dizia que tinha isso mesmo no regulamento, o amarelo pra escadinha, dava a informação com leve tom de revolta, como se o certo, no caso, fosse mesmo expulsar, por comemorar o gol com a torcida, o atacante que tinha ainda na cara, ostensiva, a marca da chuteira do adversário que não, não tinha sido expulso pelo golpe de kung fu.

Com a mesma seriedade do repórter televisivo, a mesma revolta do profexô malandro, o cartola remunerado reclamava na coletiva após o jogo da Taça Rio de 2017, do pênalti que não alterava em nada a situação do time dele no campeonato. E no programa da televisão todos também estavam revoltados com erro tão grosseiro, o ex-craque e os dois jornalistas, todos esquecidos completamente, já, da expulsão de Luis Fabiano, pra eles justíssima.

E se em 2010 o representante da federação respondeu em estilo de chacota ao cartola remunerado, então vascaíno, desta feita ele agiu prontamente, suspendendo de imediato o juiz do jogo, mas deixando bem claro que era só por causa do pênalti marcado equivocadamente. Com relação à expulsão que, aliás, tiraria Luis Fabiano da semifinal contra o... Flamengo, quanto à expulsão estava tudo certo.

E o jornal inglês Mirror não escondeu, no título sobre o jogo, a revolta com a simulação do árbitro. “He didn’t touch you! Football sinks to a new low as Brazilian referee simulates contact before giving red car”. Além de gritar indignado que Luis Fabiano não tocou no juiz, o Mirror afirma que “o futebol afunda a um novo nível abaixo, com o juiz brasileiro simulando contato antes de dar o cartão vermelho”. Mas isso, claro, só no resto do mundo, porque por aqui o importante, mesmo, foi o pênalti que não valia nada.

O Vasco, a imprensa e um blog no meio

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